segunda-feira, 29 de junho de 2020

A Revolta de Atlas.

Não deixei que determinassem o objetivo ao qual eu dedicara meus anos de formação, nem as condições sob as quais eu trabalharia, nem a escolha de pacientes, nem o valor de minha remuneração. 

Observei que, em todas as discussões que precediam a escravização da medicina, tudo se discutia, menos os desejos dos médicos. As pessoas só se preocupavam com o “bem-estar” dos pacientes, sem pensar naqueles que o proporcionavam. A ideia de que os médicos teriam direitos, desejos e opiniões em relação à questão era considerada egoísta e irrelevante. Não cabe a eles opinar, diziam, e sim apenas “servir”. 

Que um homem disposto a trabalhar sob compulsão é um irracional perigoso demais para trabalhar até mesmo num matadouro é coisa que jamais ocorreu àqueles que se propunham a ajudar os doentes tornando a vida impossível para os sãos. Muitas vezes me espanto diante da presunção com que as pessoas afirmam seu direito de me escravizar, controlar meu trabalho, dobrar minha vontade, violar minha consciência e sufocar minha mente – porque o que elas vão esperar de mim quando eu as estiver operando? 

O código moral delas lhes ensinou que vale a pena confiar na virtude de suas vítimas. Pois é essa virtude que eu agora lhes nego. 

Que elas descubram o tipo de médico que o sistema delas vai produzir. Que descubram, nas salas de operação e nas enfermarias, que não é seguro confiar suas vidas às mãos de um homem cuja vida elas sufocaram. Não é seguro se ele é o tipo de homem que se ressente disso – e é menos seguro ainda se ele é o tipo de homem que não se ressente.

(Ayn Rand,  A revolta de atlas)
Publicado em 1957, e mesmo assim continua sendo extremamente atual!

quinta-feira, 18 de junho de 2020

Atividades Físicas Para Crianças e Adolescentes.

Como possibilitar que crianças e adolescentes pratiquem atividades físicas com segurança pós-quarentena da COVID-19?

Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria

Crianças praticando esportes no parque | Vetor Premium

Os benefícios das atividades físicas em todos os ciclos da vida estão bem documentados na literatura, com grande potencial para prevenção/tratamento de doenças crônicas não transmissíveis e diminuição da morbimortalidade . No momento atual, tem-se dado atenção especial à relação da prática de atividades físicas e sistema imunológico. Em geral, evidências robustas demonstram efeitos positivos da atividade física sobre o sistema imunológico com importante ação anti-inflamatória . Contudo, é preciso estar atento ao tempo de duração e, especialmente, à intensidade da atividade, pois são moduladores dessa relação.
Tanto atividades com duração muito longa quanto aquelas com intensidade muito elevada podem ter um efeito agudo negativo sobre o sistema de defesa do organismo4 . A relação da intensidade das atividades físicas com o sistema imunológico tem sido representada por uma curva “J”. Na prática, isso significa que atividades físicas de intensidade moderada aumentam as defesas do organismo, ao passo que exercícios muito intensos podem causar imunossupressão. Estudo demonstrou que as infecções do trato respiratório superior podem diminuir em até 50% para indivíduos que realizam atividades físicas regulares de intensidade moderada e aumentar em até seis vezes para aqueles que realizam atividades muito intensas, ambos quando comparados com indivíduos sedentários .
No mesmo sentido, o corpo de evidências de estudos epidemiológicos também sugere que a atividade física regular e de intensidade moderada com duração entre 30 e 60 minutos por sessão está associada à diminuição da mortalidade e das taxas de incidência de influenza e pneumonia4 , reforçando a importância da adoção/manutenção de modos de vida mais ativos neste momento de pandemia de COVID-19.
Nos últimos meses o mundo tem observado duas pandemias, a da COVID-19 e a da diminuição considerável da prática de atividades físicas e aumento dos comportamentos sedentários entre pessoas de todas as etnias, condições socioeconômicas e faixas etárias . A pandemia da COVID-19 criou uma situação de isolamento social extremo gerando assim o chamado estresse tóxico7 , em que famílias foram obrigadas a adotar novos modelos de convivência, tais como: trabalhar em casa, estudar diariamente com os filhos, utilizar mídias digitais/plataformas de ensino, assumir os trabalhos domésticos (alimentação, limpeza, compras de supermercados e higiene dos produtos recebidos, entre outras tarefas).
O espaço doméstico, muitas vezes bastante limitado, teve que ser adaptado para atividades físicas mínimas e, consequentemente, se tornando um fator obesogênico. Ainda que as tarefas domésticas (ex.: varrer, passar, limpar a casa/faxinar, subir e descer escadas, etc) representem um dos quatro domínios da atividade física, o gasto energético e o estímulo fisiológico envolvido é geralmente reduzido, especialmente entre a população pediátrica
Idealmente, as crianças e adolescentes deveriam acumular 60 minutos de atividade física de intensidade moderada a vigorosa por dia, incluindo modalidades que estimulem ossos, músculos, mobilidade articular e exercícios envolvidos no desenvolvimento motor e de habilidades como equilíbrio e coordenação. Nesse período de isolamento domiciliar, atender às recomendações de prática de atividades físicas tem sido um desafio também para os jovens. Neste sentido, visando aumentar o nível de atividade física, crianças e adolescentes podem praticar atividades físicas em casa de forma lúdica brincando de bambolê, cabra cega, amarelinha, pular corda, caminhar sobre corda no chão e cabo de guerra8 . As ideias de atividades incluem jogos tradicionais de recreio em ambientes fechados (esconder e procurar, marcar, pular) e criatividade (construir uma pista de obstáculos, jogar vôlei de balão ou aprender a fazer malabarismos).
Além da diminuição da prática de atividades físicas, o confinamento social também demonstrou aumento expressivo da utilização das telas e dispositivos digitais, uma das ferramentas encontradas pelos pais para “entreter” crianças e adolescentes, modificando consideravelmente o comportamento individual e familiar. As tecnologias digitais, embora muito úteis para a sociedade contemporânea, precisam ser orientadas pelos pais e responsáveis para promover uma utilização harmoniosa dos jovens. Diversos documentos e recomendações publicadas pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) tratam do uso das tecnologias digitais de maneira positiva, inclusive podendo contribuir consideravelmente para o aumento da prática de atividades físicas durante o isolamento domiciliar.
O distanciamento social tem sido considerado a principal medida de enfrentamento à transmissão desordenada da CODIV-19. Pesquisa recente realizada com dados de onze países europeus demonstrou que mais de 3 milhões de vidas foram salvas devido a medidas de distanciamento social11. Atualmente no Brasil, a flexibilização dessas medidas está presente na agenda política e da sociedade em geral, devendo ocorrer em futuro próximo. Assim, torna-se necessário discutir cuidadosamente a maneira ideal e segura da prática de atividades físicas no “novo normal”.
Considerando recomendações recentes disponíveis na literatura9,12-17, o Grupo de Trabalho em Atividade Física da SBP disponibiliza algumas orientações importantes para escolas, professores de educação física, pais e cuidadores em geral:
a)       Escolas
• Elaborar um plano de volta às aulas presenciais que inclua precauções e cuidados específicos para a prática de atividades físicas.
• Organizar o espaço escolar para evitar grandes grupos/contato físico próximo e possibilitar o distanciamento físico entre os alunos nas atividades físicas e no recreio.
• Reforçar a importância e necessidade da utilização de máscaras durante todo o período de prática de atividades físicas.
• Orientar a lavagem frequente e correta das mãos, bem como, disponibilizar álcool em gel para uso entre os alunos antes e após a prática de atividades físicas,
• Proporcionar desinfecção frequente das superfícies de todos os materiais esportivos (bolas, halteres, raquetes, tacos, brinquedos, cordas, bambolês, etc) e ambientes escolares (ex.: playground, salas de ginástica, musculação e dança, etc) destinados às práticas de atividades físicas.
• Disponibilizar água potável em diferentes espaços escolares para estimular e garantir hidratação adequada dos alunos antes, durante e após a prática de atividades físicas.
• Estar especialmente atenta às famílias menos assistidas e em situação de vulnerabilidade social visando orientar/auxiliar pais e cuidadores a manter seus filhos ativos e seguros.
• Propor cursos de formação continuada para professores e demais funcionários da escola sobre autocuidado e cuidado com o outro nos períodos de pandemia e pós-pandemia, incluindo as atividades físicas neste processo.
         b) Professores de Educação Física:
• Planejar as aulas de educação física escolar visando evitar/desencorajar a prática de esportes coletivos e atividades de contato corporal e/ou que impossibilitem o distanciamento entre os participantes. Embora não haja consenso, tem-se sugerido entre 1 e 2 metros para atividades físicas estáticas e, devido a efeitos aerodinâmicos, distâncias maiores para atividades físicas com deslocamento podem ser necessárias (ex.: 5 e 10 metros para caminhas e corridas, respectivamente)14-17,18.
• Desenvolver as práticas corporais ao ar livre ou em espaços mais arejados possíveis, tendo em vista o aumento considerável do risco de transmissão da COVID-19 em ambientes fechados16.
• Para grande parte das pessoas, incluindo jovens, o isolamento domiciliar tem favorecido/favoreceu a diminuição do condicionamento físico. Este cenário precisa ser considerado no planejamento de aulas e práticas corporais em geral.
• Propor, preferencialmente, atividades físicas de intensidade moderada visando potencializar a melhora do sistema imunológico a médio e longo prazo, bem como, minimizar uma possível imunossupressão aguda decorrente de exercícios com intensidade muito elevada.
• Estimular a hidratação antes, durante e após a prática de atividades físicas. A desidratação pode contribuir para imunossupressão e, desta forma, aumentar o risco de infecção por viroses em geral, incluindo a COVID-19.
• Atividades esportivas individuais como atletismo, jogos de raquete, karatê, skate e capoeira podem ser uma boa estratégia neste período, pois com poucas adaptações pode ser garantido o distanciamento físico entre os participantes.
• Atividades de circuito também podem ser uma opção interessante para desenvolver diferentes componentes da aptidão física relacionada à saúde, em especial a aptidão aeróbia. Essas atividades, além de terem a vantagem de possibilitar adaptações para diferentes faixas etárias e serem muito atrativas tanto para crianças quanto para adolescentes, podem facilitar o distanciamento entre os alunos devido a sua estrutura organizacional baseada em estações.
• O Yoga, uma prática milenar que pode ser realizada por indivíduos de qualquer idade, representa uma ferramenta relevante para melhora da saúde física, com importante estímulo para ganho de flexibilidade e força muscular. Além disso, o Yoga pode ser especialmente importante para o momento atual por possibilitar o distanciamento físico durante a prática e contribuir para a estabilização da saúde emocional e mental, auxiliando no enfrentamento do estresse, ansiedade e sintomas depressivos.
• Esportes de aventura podem ser propostos como atividades extraescolares, sempre que possível. Essas ações podem ser realizadas em ambientes ao ar livre e também estimular o contato dos jovens com a natureza.
• Ajudar crianças e adolescentes a adaptar jogos e brincadeiras presentes na cultura da comunidade em que estão inseridos visando garantir o distanciamento social.
• Participar ativamente da construção de um plano de trabalho conjunto com toda a comunidade escolar de conscientização dos alunos para prática segura de atividades físicas neste período de pandemia. Propostas coletivas são fundamentais para aumentar a efetividade das ações!
b)      Pais e cuidadores:
. Enfatizar as medidas de isolamento e mínimo contato, principalmente em áreas comuns como parques, pracinhas e condomínios. É importante que pais e cuidadores aumentem a vigilância visual para garantir o distanciamento físico, especialmente entre crianças.

• Atentar para a segurança das crianças principalmente no trânsito (travessia de ruas, espaços muito amplos com pouca supervisão), pois o grande período de confinamento pode gerar excesso de energia positiva para atividades físicas ao ar livre.

• Reforçar todas as medidas de prevenção que deverão persistir mesmo após a volta à “normalidade”, tais como: lavagem constante de mãos com sabão, uso do álcool em gel, manter o distanciamento e mínimo contato físico com outras pessoas e evitar grandes aglomerações.

• Promover a limpeza constante de brinquedos de uso frequente, em especial aqueles utilizados fora do domicílio e que tenham sido compartilhados com outras crianças.

• Ter sempre álcool em gel disponível para todas as atividades, principalmente naquelas em que há contato frequente de mãos e pernas nos parques infantis (balanço, escorrega, carrossel, redes para escalar, etc).

• Estimular uso de máscaras faciais de pano adequadas nas atividades ao ar livre, levando em consideração a idade da criança/adolescente e o nível de compreensão da faixa etária envolvida19. Os adolescentes possuem capacidade cognitiva para utilizar as máscaras de barreira de maneira correta, assegurando maior proteção individual e de grupo. Deve ser lembrado que o uso de máscaras em atividades aeróbias como corridas, jogar futebol/basquete e andar de bicicleta requer um período de adaptação ao novo modo de respirar “dentro da máscara”.

• Dar preferência a atividades ao ar livre em espaços amplos como praças e parques, priorizando contato com a natureza20: árvores, galhos soltos, terra, água, grama. Pular, correr, rolar são exemplos de atividades a serem desenvolvidas nessas áreas. Em lugares nos quais a praça ou parque estejam em mau estado de conservação, sugere-se a busca por outras famílias e entidades privadas para promover a revitalização comunitária do local.

. Reservar tempo nos fins de semana para praticar alguma atividade física com seus filhos: andar de bicicleta, brincar de bola, fazer castelo de areia, estimulando modos de vida saudável.

• Os pais podem acessar as mídias digitais para procurar atividades físicas virtuais como jogos interativos, danças e aulas aeróbicas de acordo com a faixa etária dos filhos9 . Por outro lado, também é muito importante neste momento estabelecer limites para uso de tecnologia digital, especialmente quando estimule o comportamento sedentário, conforme as faixas etárias e seguindo o Manuais de Orientação da SBP sobre “Promoção da Atividade Física na Infância e Adolescência”8 e “Saúde de Crianças e Adolescentes na Era Digital”21.

• Dividir atividades domésticas com os filhos pode ser importante tanto para aumentar o nível de atividade física quanto para estreitar os laços e aumentar a cumplicidade familiar.

• Evitar que seus filhos pratiquem atividades físicas em caso de apresentarem sintomas gripais/respiratórios.

• Estimular o retorno gradativo às técnicas de esporte-terapia para crianças com necessidades especiais através do contato com educadores físicos e horas programadas para realização dos exercícios. A SBP está empenhada em mostrar que a prática de atividades físicas é de grande importância para a saúde física, mental e emocional de crianças e adolescentes, principalmente após esse período prolongado de isolamento domiciliar.