Mas não passa da 1ª fase em nove estados.
Uma conquista inestimável para a infância brasileira, o Programa Nacional de Triagem Neonatal, que prevê o diagnóstico e tratamento de quatro doenças genéticas graves logo após o nascimento, completa 10 anos em 2011. Uma década depois da iniciativa do Ministério da Saúde, entretanto, a implantação efetiva dos exames, chamados popularmente de teste do pezinho, ainda se mostra desigual e lenta pelo país. Um terço das unidades da Federação, incluindo o Distrito Federal, não passou da fase I do programa. Isso significa que, nesses locais, meninos e meninas nascidos na rede pública têm acesso apenas ao diagnóstico de duas das quatro patologias abrangidas pela política. Somente cinco estados já estão na última fase, a III (veja o quadro).
As disparidades revelam a falta de articulação das políticas estaduais e municipais, na avaliação deMaria Terezinha de Oliveira Cardoso, presidente do Departamento Científico de Genética Clínica da Sociedade Brasileira de Pediatria. “Entendemos que as realidades dos estados são diferentes, especialmente num país dessa dimensão. Mas 10 anos é um tempo suficiente para os administradores locais se prepararem. Não deveríamos ter estados muito atrasados”, lamenta a médica. Ela explica que a triagem do recém-nascido é necessária porque as doenças diagnosticadas com o teste do pezinho são graves e, muitas vezes, letais. “Quando não incapacitam, levam ao óbito até os dois anos de idade. Então, esse é um programa que repercute muito na mortalidade infantil e precisa ser aperfeiçoado”, diz.
Dos quase 3 milhões de bebês nascidos anualmente no Brasil, cerca de 82% têm acesso ao teste do pezinho para pelo menos duas doenças — fenilcetonúria e hipotireoidismo congênito, ambas ligadas à falta de produção de substâncias vitais para o corpo. Em termos proporcionais, o dado parece positivo. Mas ignora, em números absolutos, as 40 mil crianças que não são atendidas todos os anos. Em determinados estados, especialmente os do Norte do país, essa cobertura fica abaixo de 50%. É o caso do Amapá. No Distrito Federal, onde a cobertura coincide com a média nacional, o problema está na falta de informação dos pais. “Muitas mães dão à luz, ficam 24 horas no hospital, vão embora e não retornam. Falta um trabalho de conscientização no pré-natal para que ela volte entre o terceiro e o sétimo dia para fazer a coleta”, explica Maria Terezinha, que além de representante da Sociedade Brasileira de Pediatria trabalha na Secretaria de Saúde do DF.
Assistência séria
Para Altair Lira, presidente da Federação Nacional dos Portadores de Anemia Falciforme (Fenafal), tão importante quanto ter o diagnóstico é poder fazer o tratamento. “Não pedimos simplesmente a oferta do teste, precisamos de uma assistência séria. Muitas crianças de estados com baixa cobertura são diagnosticadas tardiamente, apresentando uma saúde muito debilitada, quando não morrem”, reclama Altair. Em Mato Grosso, foi preciso que os portadores das doenças e seus familiares se unissem para pressionar o governo estadual a implantar o teste do pezinho. “Tivemos de acionar a Justiça com o apoio do Ministério Público para que a rede de saúde implantasse os postos de coleta de sangue. Só dessa forma conseguimos garantir o que o programa de triagem preconiza há 10 anos”, conta Rosalino Batista de Oliveira, presidente da Associação de Pessoas com Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias de Mato Grosso.
Agora, a entidade planeja uma nova ação contra o governo para garantir o diagnóstico de fibrose cística — ofertado atualmente na rede pública de apenas cinco estados do país. Para Marcos Medeiros de Carvalho, a falta do exame para a doença, até hoje não contemplada no teste do pezinho realizado no DF, quase custou a vida de Larissa. Nascida num hospital particular, o médico aconselhou os pais a levarem a bebê a um posto de saúde para fazer o exame do pezinho. Os resultados estavam normais. Mas, aos dois meses, Larissa teve uma grave crise de pneumonia. “Ela ficou à beira de morrer. Ninguém descobria o problema, até que uma médica foi vê-la e nos deu o nome de uma especialista”, lembra Marcos, com os olhos marejados.
Foi quando a família soube que Larissa tinha fibrose cística, uma doença genética que afeta pulmões, pâncreas, fígado, entre outros órgãos importantes. Ao lamentar a falta do teste para as quatro doenças na rede pública, o pai da garota também destaca a ausência de informações por parte dos médicos. “Nas campanhas, só ouvimos falar do teste do pezinho na rede pública. Por que não avisam que existe o teste ampliado, na rede particular, que inclui diagnóstico de várias outras doenças? Eu morava ao lado de um laboratório. Se soubesse disso, não teria quase visto minha filha morrer e o tratamento seria iniciado mais precocemente”, diz Marcos. Apesar das críticas, ele destaca a qualidade do acompanhamento recebido por Larissa, que hoje leva uma vida normal, apesar dos remédios diários, no Hospital de Base. Elogia, ainda, a oferta dos medicamentos pelo governo, apesar de problemas pontuais de desabastecimento.
Desafios do DF
Oficialmente, para o Ministério da Saúde, o Distrito Federal não passou da fase I do Programa Nacional de Triagem Neonatal. Na prática, 82% dos 3.500 bebês que anualmente fazem o exame do pezinho na rede pública são testados para as três patologias que compõem a fase II —fenilcetonúria, hipotireodismo congênito e doença falciforme. Chefe do Núcleo de Atenção Integral à Saúde da Criança da Secretaria de Saúde do DF, Tatiana Coimbra ressalta que o reconhecimento do governo federal só virá quando o laboratório de biologia molecular, que funciona há cerca de três anos no Hospital de Apoio, na Asa Norte, fizer testes para a doença falciforme. “Por enquanto, ele funciona para outros fins, como exames de leucemia, por exemplo. Estamos programando para abril a vinda de uma equipe de Ribeirão Preto para nos treinar em relação ao uso desse laboratório na questão da doença falciforme”, explica.
Antes mesmo de o DF conseguir implantar o programa criado há 10 anos pelo Ministério da Saúde, uma lei distrital de 2008 ampliou para 21 doenças o alcance do teste do pezinho na capital federal. Para que a norma se torne realidade, porém, há entraves. O atual problema é garantir o fornecimento dos reagentes necessários para a realização dos exames. “Estamos na fase de fechar contrato de cinco anos com as empresas, a fim de não haver descontinuidade dos testes”, afirma Tatiana. Outro obstáculo está na capacitação de funcionários para lidarem com equipamentos de ponta, como o espectômetro de massa, já comprado pela Secretaria de Saúde, mas dominado por poucos profissionais. “É o primeiro no serviço público do Brasil. Alguns testes estão sendo feitos para chegarmos à forma mais adequada de usá-lo”, explica a médica. (RM)
Ampliação do teste
A ampliação do exame no DF foi sancionada em lei distrital aprovada em 2008 e tem como objetivo diagnosticar doenças que não apresentam sintomas no nascimento, embora possam levar a consequências graves. Com isso, o teste passou a abranger 21 doenças, entre outras, a fibrose cística, a hiperplasia adrenal e a toxoplasmose congênita. O teste deve ser realizado até cinco dias após o nascimento. Os diagnósticos tardios podem provocar a morte das crianças.
Assessoria de Comunicação da SBP
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