SUS = Sistema Ultrapassado de Saúde
A sigla SUS colou. O conceito não. Contradiz o que pretende passar para
os usuários. Saúde não é ausência de doença. É o bem-estar físico,
mental e social do indivíduo. Supõe sociedade justa, igualitária,
segura, educada, produtiva de bens necessários e não de males
supérfluos. Não se promove saúde tratando enfermos. Cura é ação válida.
Reduz sofrimento, atenua sequelas. Porém, não atinge o cerne da questão.
As doenças não desaparecem.
Propagam-se mercê de um modelo que
prioriza terapêutica, não profilaxia. Tratamento cura o paciente, mas
não impede a difusão da moléstia. Alivia sintomas, não erradica fontes
do mal. Não protege o cidadão dos riscos potencialmente lesivos às
estruturas e funções do organismo humano.
As evidências são
fartas. Nos Estados Unidos, o impacto de investimentos orçamentários do
setor saúde, medido pela redução da mortalidade, mostra o seguinte: 90%
dos recursos são aplicados para manter e ampliar a rede de serviços
destinados ao diagnóstico e tratamento de doenças, resultando na redução
de apenas 11% da mortalidade; 1,5% investidos em mudança de estilos de
vida levam à queda de 43% da mortalidade; 1,6% destinados a qualificar o
meio ambiente diminuem 19% da mortalidade; e 7,9% despendidos em
biologia de saúde fazem baixar 27% do referido indicador.
Em
síntese, tratar doentes consome quase todo o orçamento de saúde daquele
país. O retorno é insignificante quando comparado ao produto de
investimentos mínimos em outras políticas sanitárias. No Brasil, não é
diferente. O SUS utiliza a maioria do orçamento nos cuidados com
enfermos. A rede física aumenta. Despesas com recursos materiais,
equipamentos e insumos diversos exorbitam. Morbidades grassam.
Quantidade e qualidade de serviços deixam a desejar. Relação
custo/benefício negativa expõe a precária sustentabilidade do sistema.
Persistir nessa rota só é coerente com a lógica da economia
capitalista. Reforça a dinâmica do consumismo supérfluo. Eleva o uso
indevido de medicamentos, tecnologias diagnósticas e terapêuticas
deslumbrantes, prática que atrai investimentos, aumenta produção
industrial, gera emprego, amplia o comércio, aumenta a arrecadação de
impostos. A economia robustece. A indústria agradece. A sociedade
adoece. Quanto mais doença, mais lucro e benefício financeiro.
Para incorporar princípios éticos à condução das políticas públicas,
urge mudar o sistema de saúde. Imediatismos nada resolvem. Mediatismos,
muito menos. Dizer, por exemplo, que há falta de médicos no país é falar
sem pensar. Na verdade, há excesso de doentes. O que falta é população
sadia. A solução digna não é, pois, promover o boom de cursos médicos
desqualificados para criar exército de reserva de tão complexa mão de
obra. Cumpre inverter a prioridade das políticas do setor, investir na
prevenção para erradicar causas das enfermidades que acometem os
cidadãos com maior frequência. O único caminho é promover saúde no
verdadeiro sentido, identificado com o bem-estar da cidadania.
Ministério e secretarias ditos da saúde precisam sê-lo de fato. Não
passam de ministério e secretarias da doença. Recorrem a campanhas
publicitárias ilusórias e eleitoreiras para fazerem crer que o sistema
público vai muito bem. Mantêm olhar de descaso para conhecimentos
científicos da epigenética, cujos conteúdos exaltam a primazia dos
cuidados preventivos sobre os curativos. Entendem que atenção primária é
coisa simples e barata. Pode ser prestada por qualquer profissional,
independentemente de sua formação. Ledo engano. O modelo chinês do
médico pé descalço já era. Cuidado primário é tão complexo quanto o dos
demais níveis de atenção. Exige visão abrangente e profunda da medicina,
sem a qual se perde a oportunidade de dotá-lo das condutas preventivas e
educativas capazes de reverter a atual falta de cultura sanitária.
A maioria das doenças do adulto tem início na infância. Para
preveni-las, não há alternativa reducionista e simplificadora que se
justifique. Quanto mais se respeita e valoriza o cuidado pediátrico
qualificado nessa fase de vida, menor a prevalência de males futuros.
Quanto mais intervenções educativas em saúde nos meios de comunicação,
maior o potencial de bem-estar das pessoas. Quanto menos propagandas
enganosas e merchandising na mídia, maior a chance de ambiente
compatível com os requisitos de vida saudável. O universo do SUS vai
muito além de UPAs, Samus e hospitais. Se não avançar no papel
revolucionário que lhe cabe, continuará sendo um Sistema Ultrapassado de
Saúde.
Assessoria de Comunicação da SB
TEXTO: DIOCLÉCIO CAMPOS JÚNIOR - PEDIATRA
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