Criança deveria ser o coração do Brasil
DIOCLÉCIO CAMPOS JÚNIOR
Médico, professor emérito da UnB, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria,
representante da SBP no Global Pediatric Education Consortium
Publicação: 23/04/2014
A sociedade brasileira vai perdendo o que há de mais precioso entre os valores pessoais, a sensibilidade humana. Engajada na postura materialista do conceito de vida, despreza o ânimo ontológico. Deprecia o universo do ser para priorizar o hedonismo do ter. Ignora o futuro como resultado do presente. Renuncia à transcendência da simplicidade em busca de riquezas aparentes que não se coadunam com o humanismo existencial. Troca o afeto pelo egoísmo. Banaliza a ternura da alteridade, optando por interesses imediatistas que a desfiguram. Fala em justiça, mas convive friamente com grotescas e violentas iniquidades. Aceita posturas díspares entre o discurso e a prática. Menospreza a ética. Abandona a estética, soterrando o primado da beleza conquistada pelo ser humano, perdida no retrocesso rumo à animalidade.
Crianças que nascem nos tempos atuais não têm escolha. Morrem precocemente ou sobrevivem em cenário dantesco que lhes nega direitos elementares. Trazem ao mundo sua melodia vital. Os sublimes acordes da sinfonia infantil. A identificação natural com o meio ambiente verdadeiro. O sorriso fascinante porque autêntico. O choro sem disfarce. A ingenuidade deslumbrante. O corpo terno e espontâneo. Uma alma bem maior e mais pura que a do adulto. Um olhar que busca interação legítima. Pendores de originalidade exuberante. Alegria criativa incomparável. Desapego material que o adulto só adultera.
Nenhum grupo etário lhe ultrapassa a grandeza. Suas virtudes são iluminadas. Dispensam metodologia científica para descrevê-las. Requerem, no entanto, a sensibilidade afetiva do adulto para percebê-las e valorizá-las na dimensão transcendental em que se exprimem. Em nosso país, o ente infantil está longe de ser assim entendido, muito menos ouvido como sístole do amor imanente à complexa fase de formação humana. Daí porque nenhum grupo etário é tão vulnerável às distintas formas de violência, segregação, isolamento, agravos ambientais e perversões sociais.
A realidade é triste. Consome boa parte da infância, devorando-a sob o gélido olhar da passividade coletiva. Os números falam alto, mas comovem poucas famílias. Projetam fotografia contundente do túnel sem luz a ser atravessado pelas gerações de recém-nascidos que atingirão a idade adulta. Os dados são assustadores; porém, não impressionam os dirigentes do Estado, cuja causa única é o exercício do poder, nada mais.
Dos 3 milhões de brasileiros que nascem anualmente, 45 mil morrem antes de completar um ano de vida. É a chamada mortalidade infantil. Do primeiro ao quarto ano de idade, outros milhares são vítimas de acidentes, que representam a primeira causa de mortalidade nessa faixa etária. Além disso, a cada ano, 40 mil desaparecem nas distintas regiões do país. Mais ainda, segundo informações de entidades institucionais preocupadas com tamanha violência, meninos e meninas são raptados por quadrilhas internacionais e entregues aos rentáveis negócios da prostituição infantil, da falsa adoção, da venda de órgãos para transplantes e do trabalho escravo. É o quadro da falência múltipla dos sistemas da sociedade que têm a função de garantir, ininterruptamente, a segurança aos preciosos rebentos humanos dotados de beleza encantadora, bem superior à das joias e porcelanas que as pessoas admiram e guardam a sete chaves.
O descuido familiar é comportamento pecaminoso que requer penitência consciente. A irresponsabilidade dos governantes é crime que exige punição. A falta de creches e pré-escolas em tempo integral, operadas por cuidadores sensíveis e qualificados para lidar com a população infantil, atesta o grau de desprezo para com o cerne infantil da sociedade, reduzido à insignificância. Inexistência de campanhas educativas exaltando a prevenção do abandono familiar, que predispõe os meigos infantes a agressões de toda natureza, comprova o descompromisso da classe política para com o ser humano que depende das corrompidas entranhas do útero social.
Período de maior vulnerabilidade da infância brasileira será a Copa do Mundo. Nada se fez nem nada se fará para protegê-la. Prenuncia-se aumento da prostituição infantil e do desaparecimento de crianças como legado do evento. Sujará a face do país.
Criança é a mais pura forma da poesia humana. Deveria ser o coração do Brasil. Há que declamar e proclamar a riqueza de seus versos. Como diz o escritor Mia Couto, “a transgressão poética é a maneira de escaparmos da ditadura da realidade”. Se não, o espetáculo nacional será a celebração da decadência.
Crianças que nascem nos tempos atuais não têm escolha. Morrem precocemente ou sobrevivem em cenário dantesco que lhes nega direitos elementares. Trazem ao mundo sua melodia vital. Os sublimes acordes da sinfonia infantil. A identificação natural com o meio ambiente verdadeiro. O sorriso fascinante porque autêntico. O choro sem disfarce. A ingenuidade deslumbrante. O corpo terno e espontâneo. Uma alma bem maior e mais pura que a do adulto. Um olhar que busca interação legítima. Pendores de originalidade exuberante. Alegria criativa incomparável. Desapego material que o adulto só adultera.
Nenhum grupo etário lhe ultrapassa a grandeza. Suas virtudes são iluminadas. Dispensam metodologia científica para descrevê-las. Requerem, no entanto, a sensibilidade afetiva do adulto para percebê-las e valorizá-las na dimensão transcendental em que se exprimem. Em nosso país, o ente infantil está longe de ser assim entendido, muito menos ouvido como sístole do amor imanente à complexa fase de formação humana. Daí porque nenhum grupo etário é tão vulnerável às distintas formas de violência, segregação, isolamento, agravos ambientais e perversões sociais.
A realidade é triste. Consome boa parte da infância, devorando-a sob o gélido olhar da passividade coletiva. Os números falam alto, mas comovem poucas famílias. Projetam fotografia contundente do túnel sem luz a ser atravessado pelas gerações de recém-nascidos que atingirão a idade adulta. Os dados são assustadores; porém, não impressionam os dirigentes do Estado, cuja causa única é o exercício do poder, nada mais.
Dos 3 milhões de brasileiros que nascem anualmente, 45 mil morrem antes de completar um ano de vida. É a chamada mortalidade infantil. Do primeiro ao quarto ano de idade, outros milhares são vítimas de acidentes, que representam a primeira causa de mortalidade nessa faixa etária. Além disso, a cada ano, 40 mil desaparecem nas distintas regiões do país. Mais ainda, segundo informações de entidades institucionais preocupadas com tamanha violência, meninos e meninas são raptados por quadrilhas internacionais e entregues aos rentáveis negócios da prostituição infantil, da falsa adoção, da venda de órgãos para transplantes e do trabalho escravo. É o quadro da falência múltipla dos sistemas da sociedade que têm a função de garantir, ininterruptamente, a segurança aos preciosos rebentos humanos dotados de beleza encantadora, bem superior à das joias e porcelanas que as pessoas admiram e guardam a sete chaves.
O descuido familiar é comportamento pecaminoso que requer penitência consciente. A irresponsabilidade dos governantes é crime que exige punição. A falta de creches e pré-escolas em tempo integral, operadas por cuidadores sensíveis e qualificados para lidar com a população infantil, atesta o grau de desprezo para com o cerne infantil da sociedade, reduzido à insignificância. Inexistência de campanhas educativas exaltando a prevenção do abandono familiar, que predispõe os meigos infantes a agressões de toda natureza, comprova o descompromisso da classe política para com o ser humano que depende das corrompidas entranhas do útero social.
Período de maior vulnerabilidade da infância brasileira será a Copa do Mundo. Nada se fez nem nada se fará para protegê-la. Prenuncia-se aumento da prostituição infantil e do desaparecimento de crianças como legado do evento. Sujará a face do país.
Criança é a mais pura forma da poesia humana. Deveria ser o coração do Brasil. Há que declamar e proclamar a riqueza de seus versos. Como diz o escritor Mia Couto, “a transgressão poética é a maneira de escaparmos da ditadura da realidade”. Se não, o espetáculo nacional será a celebração da decadência.