Como possibilitar que crianças e adolescentes pratiquem
atividades físicas com segurança pós-quarentena da COVID-19?
Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria
Os benefícios das atividades físicas em todos os ciclos da
vida estão bem documentados na literatura, com grande potencial para
prevenção/tratamento de doenças crônicas não transmissíveis e diminuição da
morbimortalidade . No momento atual, tem-se dado atenção especial à relação da
prática de atividades físicas e sistema imunológico. Em geral, evidências
robustas demonstram efeitos positivos da atividade física sobre o sistema
imunológico com importante ação anti-inflamatória . Contudo, é preciso estar
atento ao tempo de duração e, especialmente, à intensidade da atividade, pois
são moduladores dessa relação.
Tanto atividades com duração muito longa quanto aquelas com
intensidade muito elevada podem ter um efeito agudo negativo sobre o sistema de
defesa do organismo4 . A relação da intensidade das atividades físicas com o
sistema imunológico tem sido representada por uma curva “J”. Na prática, isso
significa que atividades físicas de intensidade moderada aumentam as defesas do
organismo, ao passo que exercícios muito intensos podem causar imunossupressão.
Estudo demonstrou que as infecções do trato respiratório superior podem
diminuir em até 50% para indivíduos que realizam atividades físicas regulares
de intensidade moderada e aumentar em até seis vezes para aqueles que realizam
atividades muito intensas, ambos quando comparados com indivíduos sedentários .
No mesmo sentido, o corpo de evidências de estudos
epidemiológicos também sugere que a atividade física regular e de intensidade
moderada com duração entre 30 e 60 minutos por sessão está associada à
diminuição da mortalidade e das taxas de incidência de influenza e pneumonia4 ,
reforçando a importância da adoção/manutenção de modos de vida mais ativos
neste momento de pandemia de COVID-19.
Nos últimos meses o mundo tem observado duas pandemias, a da
COVID-19 e a da diminuição considerável da prática de atividades físicas e
aumento dos comportamentos sedentários entre pessoas de todas as etnias,
condições socioeconômicas e faixas etárias . A pandemia da COVID-19 criou uma
situação de isolamento social extremo gerando assim o chamado estresse tóxico7
, em que famílias foram obrigadas a adotar novos modelos de convivência, tais
como: trabalhar em casa, estudar diariamente com os filhos, utilizar mídias
digitais/plataformas de ensino, assumir os trabalhos domésticos (alimentação,
limpeza, compras de supermercados e higiene dos produtos recebidos, entre
outras tarefas).
O espaço doméstico, muitas vezes bastante limitado, teve que
ser adaptado para atividades físicas mínimas e, consequentemente, se tornando
um fator obesogênico. Ainda que as tarefas domésticas (ex.: varrer, passar,
limpar a casa/faxinar, subir e descer escadas, etc) representem um dos quatro
domínios da atividade física, o gasto energético e o estímulo fisiológico
envolvido é geralmente reduzido, especialmente entre a população pediátrica
Idealmente, as crianças e adolescentes deveriam acumular 60
minutos de atividade física de intensidade moderada a vigorosa por dia,
incluindo modalidades que estimulem ossos, músculos, mobilidade articular e
exercícios envolvidos no desenvolvimento motor e de habilidades como equilíbrio
e coordenação. Nesse período de isolamento domiciliar, atender às recomendações
de prática de atividades físicas tem sido um desafio também para os jovens.
Neste sentido, visando aumentar o nível de atividade física, crianças e
adolescentes podem praticar atividades físicas em casa de forma lúdica
brincando de bambolê, cabra cega, amarelinha, pular corda, caminhar sobre corda
no chão e cabo de guerra8 . As ideias de atividades incluem jogos tradicionais
de recreio em ambientes fechados (esconder e procurar, marcar, pular) e
criatividade (construir uma pista de obstáculos, jogar vôlei de balão ou
aprender a fazer malabarismos).
Além da diminuição da prática de atividades físicas, o
confinamento social também demonstrou aumento expressivo da utilização das
telas e dispositivos digitais, uma das ferramentas encontradas pelos pais para
“entreter” crianças e adolescentes, modificando consideravelmente o
comportamento individual e familiar. As tecnologias digitais, embora muito
úteis para a sociedade contemporânea, precisam ser orientadas pelos pais e
responsáveis para promover uma utilização harmoniosa dos jovens. Diversos
documentos e recomendações publicadas pela Sociedade Brasileira de Pediatria
(SBP) tratam do uso das tecnologias digitais de maneira positiva, inclusive
podendo contribuir consideravelmente para o aumento da prática de atividades
físicas durante o isolamento domiciliar.
O distanciamento social tem sido considerado a principal
medida de enfrentamento à transmissão desordenada da CODIV-19. Pesquisa recente
realizada com dados de onze países europeus demonstrou que mais de 3 milhões de
vidas foram salvas devido a medidas de distanciamento social11. Atualmente no
Brasil, a flexibilização dessas medidas está presente na agenda política e da
sociedade em geral, devendo ocorrer em futuro próximo. Assim, torna-se
necessário discutir cuidadosamente a maneira ideal e segura da prática de
atividades físicas no “novo normal”.
Considerando recomendações recentes disponíveis na
literatura9,12-17, o Grupo de Trabalho em Atividade Física da SBP disponibiliza
algumas orientações importantes para escolas, professores de educação física,
pais e cuidadores em geral:
a)
Escolas
• Elaborar um plano de volta às aulas
presenciais que inclua precauções e cuidados específicos para a prática de
atividades físicas.
• Organizar o espaço escolar para evitar
grandes grupos/contato físico próximo e possibilitar o distanciamento físico
entre os alunos nas atividades físicas e no recreio.
• Reforçar a importância e necessidade da
utilização de máscaras durante todo o período de prática de atividades físicas.
• Orientar a lavagem frequente e correta
das mãos, bem como, disponibilizar álcool em gel para uso entre os alunos antes
e após a prática de atividades físicas,
• Proporcionar desinfecção frequente das
superfícies de todos os materiais esportivos (bolas, halteres, raquetes, tacos,
brinquedos, cordas, bambolês, etc) e ambientes escolares (ex.: playground,
salas de ginástica, musculação e dança, etc) destinados às práticas de
atividades físicas.
• Disponibilizar água potável em diferentes
espaços escolares para estimular e garantir hidratação adequada dos alunos
antes, durante e após a prática de atividades físicas.
• Estar especialmente atenta às famílias
menos assistidas e em situação de vulnerabilidade social visando
orientar/auxiliar pais e cuidadores a manter seus filhos ativos e seguros.
• Propor cursos de formação continuada para
professores e demais funcionários da escola sobre autocuidado e cuidado com o
outro nos períodos de pandemia e pós-pandemia, incluindo as atividades físicas
neste processo.
b)
Professores de Educação Física:
• Planejar as aulas de educação
física escolar visando evitar/desencorajar a prática de esportes coletivos e
atividades de contato corporal e/ou que impossibilitem o distanciamento entre
os participantes. Embora não haja consenso, tem-se sugerido entre 1 e 2 metros
para atividades físicas estáticas e, devido a efeitos aerodinâmicos, distâncias
maiores para atividades físicas com deslocamento podem ser necessárias (ex.: 5
e 10 metros para caminhas e corridas, respectivamente)14-17,18.
• Desenvolver as práticas
corporais ao ar livre ou em espaços mais arejados possíveis, tendo em vista o
aumento considerável do risco de transmissão da COVID-19 em ambientes
fechados16.
• Para grande parte das pessoas,
incluindo jovens, o isolamento domiciliar tem favorecido/favoreceu a diminuição
do condicionamento físico. Este cenário precisa ser considerado no planejamento
de aulas e práticas corporais em geral.
• Propor, preferencialmente,
atividades físicas de intensidade moderada visando potencializar a melhora do
sistema imunológico a médio e longo prazo, bem como, minimizar uma possível
imunossupressão aguda decorrente de exercícios com intensidade muito elevada.
• Estimular a hidratação antes,
durante e após a prática de atividades físicas. A desidratação pode contribuir para
imunossupressão e, desta forma, aumentar o risco de infecção por viroses em
geral, incluindo a COVID-19.
• Atividades esportivas
individuais como atletismo, jogos de raquete, karatê, skate e capoeira podem
ser uma boa estratégia neste período, pois com poucas adaptações pode ser
garantido o distanciamento físico entre os participantes.
• Atividades de circuito também
podem ser uma opção interessante para desenvolver diferentes componentes da
aptidão física relacionada à saúde, em especial a aptidão aeróbia. Essas
atividades, além de terem a vantagem de possibilitar adaptações para diferentes
faixas etárias e serem muito atrativas tanto para crianças quanto para
adolescentes, podem facilitar o distanciamento entre os alunos devido a sua
estrutura organizacional baseada em estações.
• O Yoga, uma prática milenar que
pode ser realizada por indivíduos de qualquer idade, representa uma ferramenta
relevante para melhora da saúde física, com importante estímulo para ganho de
flexibilidade e força muscular. Além disso, o Yoga pode ser especialmente
importante para o momento atual por possibilitar o distanciamento físico
durante a prática e contribuir para a estabilização da saúde emocional e
mental, auxiliando no enfrentamento do estresse, ansiedade e sintomas depressivos.
• Esportes de aventura podem ser
propostos como atividades extraescolares, sempre que possível. Essas ações
podem ser realizadas em ambientes ao ar livre e também estimular o contato dos
jovens com a natureza.
• Ajudar crianças e adolescentes
a adaptar jogos e brincadeiras presentes na cultura da comunidade em que estão
inseridos visando garantir o distanciamento social.
• Participar ativamente da
construção de um plano de trabalho conjunto com toda a comunidade escolar de
conscientização dos alunos para prática segura de atividades físicas neste
período de pandemia. Propostas coletivas são fundamentais para aumentar a
efetividade das ações!
b)
Pais e cuidadores:
. Enfatizar as medidas de isolamento e
mínimo contato, principalmente em áreas comuns como parques, pracinhas e
condomínios. É importante que pais e cuidadores aumentem a vigilância visual
para garantir o distanciamento físico, especialmente entre crianças.
• Atentar para a segurança das crianças
principalmente no trânsito (travessia de ruas, espaços muito amplos com pouca
supervisão), pois o grande período de confinamento pode gerar excesso de
energia positiva para atividades físicas ao ar livre.
• Reforçar todas as medidas de prevenção
que deverão persistir mesmo após a volta à “normalidade”, tais como: lavagem
constante de mãos com sabão, uso do álcool em gel, manter o distanciamento e
mínimo contato físico com outras pessoas e evitar grandes aglomerações.
• Promover a limpeza constante de
brinquedos de uso frequente, em especial aqueles utilizados fora do domicílio e
que tenham sido compartilhados com outras crianças.
• Ter sempre álcool em gel disponível para
todas as atividades, principalmente naquelas em que há contato frequente de
mãos e pernas nos parques infantis (balanço, escorrega, carrossel, redes para
escalar, etc).
• Estimular uso de máscaras faciais de pano
adequadas nas atividades ao ar livre, levando em consideração a idade da
criança/adolescente e o nível de compreensão da faixa etária envolvida19. Os
adolescentes possuem capacidade cognitiva para utilizar as máscaras de barreira
de maneira correta, assegurando maior proteção individual e de grupo. Deve ser
lembrado que o uso de máscaras em atividades aeróbias como corridas, jogar
futebol/basquete e andar de bicicleta requer um período de adaptação ao novo
modo de respirar “dentro da máscara”.
• Dar preferência a atividades ao ar livre
em espaços amplos como praças e parques, priorizando contato com a natureza20:
árvores, galhos soltos, terra, água, grama. Pular, correr, rolar são exemplos
de atividades a serem desenvolvidas nessas áreas. Em lugares nos quais a praça
ou parque estejam em mau estado de conservação, sugere-se a busca por outras
famílias e entidades privadas para promover a revitalização comunitária do local.
. Reservar tempo nos fins de semana para
praticar alguma atividade física com seus filhos: andar de bicicleta, brincar
de bola, fazer castelo de areia, estimulando modos de vida saudável.
• Os pais podem acessar as mídias digitais
para procurar atividades físicas virtuais como jogos interativos, danças e
aulas aeróbicas de acordo com a faixa etária dos filhos9 . Por outro lado,
também é muito importante neste momento estabelecer limites para uso de
tecnologia digital, especialmente quando estimule o comportamento sedentário,
conforme as faixas etárias e seguindo o Manuais de Orientação da SBP sobre
“Promoção da Atividade Física na Infância e Adolescência”8 e “Saúde de Crianças
e Adolescentes na Era Digital”21.
• Dividir atividades domésticas com os
filhos pode ser importante tanto para aumentar o nível de atividade física
quanto para estreitar os laços e aumentar a cumplicidade familiar.
• Evitar que seus filhos pratiquem
atividades físicas em caso de apresentarem sintomas gripais/respiratórios.
• Estimular o retorno gradativo às técnicas
de esporte-terapia para crianças com necessidades especiais através do contato
com educadores físicos e horas programadas para realização dos exercícios. A
SBP está empenhada em mostrar que a prática de atividades físicas é de grande
importância para a saúde física, mental e emocional de crianças e adolescentes,
principalmente após esse período prolongado de isolamento domiciliar.