Uma moto pode ser moldura para muitas histórias, abrigo para muitos afetos, atalho para muitos achados. A garupa de uma moto traçada pela minha imaginação é assim: Cúmplice clandestina dos meus absurdos, desejos surdos, meus cantos escuros. Um lugar em que eu possa escancarar meus quartos secretos, instalar minhas coisas do passado e minhas idéias descabidas. Afinal, mesmo juntos e indo muito bem, me vejo sozinha por horas na garupa.
Uma moto em que caibam os meus abraços e os meus embaraços. Uma moto em que eu possa trapacear a tristeza, encolher o cansaço, soltar meus anjos e amansar meus demônios. Uma moto para alargar as minhas liberdades, amar de verdade e fluir minhas vaidades. Uma moto que me permita estreitar meus limites, espreitar minhas manhas, não preguiça de manhã. Uma moto para acomodar as minhas incoerências, aquietar as minhas “doiduras” e, espichar as minhas querências.
Uma moto em que eu possa largar o corpo e assanhar a mente, recebendo o calor do sol, que, sem pudor, espia por todas as frestas. Ah, uma moto onde eu possa farejar as manhãs, com cheiro de flores, cheiro de ervas, madeira secando. Uma varanda para escorregar as minhas manias e lustrar meus afetos. É sentada na garupa, como se fosse a varanda de uma casa, que eu quero sentir o hálito das tardes frias, assistindo às aves se empoleirando apressadas, aturdidas. E é da varanda, também, que quero vigiar tudo. É essa à parte da moto que vai armazenar as minhas euforias e esconder as minhas desistências, em que eu possa confiar os resíduos da minha história. E, daqui a sabe lá quantos tantos anos, ainda me conceder as lembranças de tudo que nela tenha vivido.
Pra quem apareceu, escreveu, telefonou, publicou, mandou cartão, poema, desenho, beijo, abraço, prece, desejou felicidade e alegria, tudo de bom. Vocês são a melhor torcida que existe! Beijo para quem é de beijo e, abraço para quem é de abraço!
Autora: Chayenne Gonçalves. Praticamente estreou a condição de garupa cruzando as três Américas rumo ao Alasca.
Foto tirada pela amiga Luciene Kenedy da garupa do marido Éder: Eu e Bete em Mariana, MG.
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