Se você se formou em alguma faculdade; se você, por acaso, aprendeu mais de um idioma; se você é um profissional liberal bem-sucedido ou ocupa um cargo elevado na empresa em que trabalha, cuidado. Esconda os seus diplomas no armário, jamais torne a usar os seus ternos sob medida e trate de comprar um carro velho ou popular.
Demonstrar mérito ou ostentar sinais de prosperidade, no Brasil, agora é pecado. Essas coisas significam que você faz parte das nossas pérfidas elites e, portanto, carrega consigo grande parte da culpa pela miséria em que vive razoável parcela da população.
É curioso. Eu nunca interpretei o termo elite por um ângulo pejorativo. Ao contrário. Elite, para mim, sempre significou os melhores dentre os melhores em cada área. Há a elite dos empresários, como existe a elite dos médicos, a dos políticos ou a dos advogados.
Com exceção de parcela da elite econômica, cujo patrimônio veio por hereditariedade, ninguém vem a ser reconhecido como membro de alguma elite se não demonstrar mérito, talento e empenho pessoal. São todos pessoas de peso, merecedoras da admiração geral. Ou, pelo menos, era assim até a chegada da companheirada ao poder, há quase cinco anos.
Confesso que não me surpreendi com essa total inversão de valores.
Quando cursava a faculdade, em meados dos anos 1970, um dos mitos mais caros do pensamento esquerdista era o que pregava que todas as mazelas do Brasil eram culpa exclusiva de suas execráveis elites.
O povo em geral, os cidadãos humildes, era puro de alma, solidário por natureza e sempre pronto a empenhar o melhor de si em prol da coletividade. Mas ele não tinha chance de fazê-lo porque as elites, egoístas e gananciosas, não lhe davam oportunidade. É mais ou menos a forma como os marxistas tradicionais idealizavam a classe burguesa.
Elimine-se a burguesia e os seus valores, e a sociedade, quase que naturalmente, se tornará justa, fraterna, cooperativa e voltada para o bem comum.
Quatro décadas depois, mesmo com a utopia comunista já devidamente sepultada, alguns cacoetes do pensamento esquerdista ainda remanescem.
Um deles é este da dicotomia entre um povo bom e generoso e uma elite perversa e individualista.
Todo raciocínio simplista é eivado de contradições. Os companheiros ainda não se deram conta de que, uma vez no poder - e com amplo controle sobre o Congresso -, são eles, agora, a elite política do País. E elite não no sentido de mérito, como referido acima, mas, sim, pelo fato de que são eles a classe dominante da Nação.
Embora execre as elites, essa gente, paradoxalmente, faz parte delas há muito tempo. Desde o final dos anos 70, são eles, incontestavelmente, que compõem a elite sindical do proletariado deste país. Sempre ocupando cargos na diretoria dos sindicatos, boa parte desse pessoal nunca trabalhou, de fato, no chão das fábricas. Além disso, em função de seus postos na burocracia sindical, eles sempre perceberam vencimentos integrais e gozaram de estabilidade absoluta no emprego, algo que nem os mais renomados membros das demais elites jamais ousaram sonhar.
Paladinos dos miseráveis, pobres, por sua vez, eles nunca foram. Com salários nunca menores que o equivalente a sete ou dez salários mínimos, todos eles sempre lograram possuir casa própria e automóvel, o que os classificaria, no mínimo, como classe média.
Por que, então, esse ódio às elites e a tudo o que elas representam?
Note-se aqui que o designativo elite não vale apenas para o topo da pirâmide social, mas abrange, também, toda e qualquer pessoa que demonstre auferir rendimentos acima da média, tenha algum estudo e cultue hábitos minimamente refinados.
A contraditória 'elite antielites' que nos governa não se dá conta de que, se Lula pode dar-se ao luxo de distribuir o Bolsa-Família a 11 milhões de famílias, isso só é possível graças aos escorchantes impostos que as nossas odiáveis 'elites' recolhem ao Tesouro. A carga tributária que incide sobre a classe média é proporcionalmente muito maior do que a do resto da sociedade.
Os petistas que me perdoem, mas eu sempre tive e terei orgulho de fazer parte dessas elites que eles tanto condenam.
São essas elites que formam o sal da terra de toda e qualquer sociedade. São elas que produzem riquezas, criam valor e fazem a economia andar. Devemos a elas o fato de, graças a sua especialização, a sociedade poder oferecer serviços de qualidade em todas as áreas do conhecimento. São elas que, pelo hábito de ler livros e jornais, compõem a opinião pública de uma nação.
Se o presidente Lula não quis estudar (tempo ele teve para isso), é um problema exclusivamente dele. Mas que não venha a nós fazer proselitismo de sua insuficiência acadêmica. Que não tente, por seu exemplo pessoal, influenciar os nossos filhos no sentido de que a indigência cultural é uma virtude e que o pouco saber é uma ferramenta útil para preservar a pureza e as boas intenções das pessoas.
Paralelos de obscurantismo, na História, nós só encontramos na Revolução Cultural chinesa, quando, a partir de 1964, Mao, em seus delírios, decidiu humilhar e 'reeducar' todos os chineses que tinham um grau mínimo de instrução. O resultado, como era de esperar, foi desastroso. Após 14 anos, os mentores da tal 'revolução' foram todos para a cadeia, Deng Xiaoping, com a inestimável ajuda dos antigos intelectuais, logrou reerguer a nação e a China, hoje, é o país que mais leva o ensino a sério e envia estudantes para aperfeiçoamento no exterior.
Somos elite, sim, Sr. Lula, e com muito orgulho. Nós lutamos para chegar lá. Somos esforçados, esclarecidos e, sobretudo, independentes.
É por isso que nós sempre relutamos em sufragar o seu nome. A nós nos repugna a idéia de alienar os nossos votos a troco de uma mesada de alguns poucos reais.
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João Mellão Neto, 46 anos, jornalista, deputado estadual, foi deputado federal, secretário e ministro de Estado. É um dos jornalistas mais lidos, comentados e acreditados da imprensa de São Paulo e do Brasil.
Seus artigos são publicados, todas as sextas-feiras na página 2 do jornal 'O Estado de São Paulo' e, quinzenalmente, no 'Florida Review', o maior jornal em língua portuguesa dos EUA.
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